Ia realizar-se um concurso muito divertido para gatos e gatas: um desfile em que todos os concorrentes tinham de apresentar um par de pantufas, ou algo que se parecesse.
A excitação foi contagiante, quando souberam que o júri era formado por verdadeiras celebridades felinas: o Gato das Botas e a Duquesa, vindos de Paris, o Gato do Chapéu e o Garfield, da América, o Gato Risonho, de Inglaterra e a famosa Kitty, do Japão. Nem que fosse só para os verem ao vivo, correram a inscrever-se. E os bilhetes, para quem quisesse apenas assistir, esgotaram-se numa fração de segundo.
Vieram gatos e gatas de todo o país. Alguns traziam pantufas combinadas com luvas e outros pantufas de marca, pois achavam que a ocasião merecia. Houve até quem trouxesse pantufas diferentes em cada pata – arte pura, diziam.
Chegou o dia por que todos ansiavam. Antes da hora marcada, o teatro estava a encher–se. A passadeira vermelha estendia-se diante da entrada. As câmaras disparavam ‘clique, clique, clique’, e os miados de excitação “Miau, miauuuu, miauuuu” misturavam-se com o som dos passos macios e elegantes, dos membros do júri e do público, que se aprimorara para uma ocasião tão especial. Afinal, não era todos os dias que recebiam tais celebridades.
Estava quase na hora de começar o desfile, quando se deu pela falta de um dos concorrentes inscritos. A sua cadeira estava vazia.
De repente, fez-se um silêncio abrupto: entrou um gato peludo e sereno, sem pantufas nos pés.
— Não podes participar — disse Romeu, um dos gatos que estavam na fila da frente. — As regras são claras!
O gato olhou para ele calmamente:
— O meu nome é Pantufas. Sempre foi. Até está escrito na minha cadeira. Estas patas peludas foram a razão desse nome. — Ao dizer isto, levantou uma delas com elegância — Preciso mesmo de algo mais?
Ouviu-se um enorme burburinho, todos a falar ao mesmo tempo e cada um a dar a sua opinião. Gatos persas e angorás, indignados, reclamavam: “Não pode ser!”; “Eu também tenho patas peludas”; “Eu também!”; “Eu também!”; “Eu também” “Isso não chega!” “Falta alguma coisa! Está incompleto!”
Então, o Gato das Botas, como o seu ar imponente, ergueu a voz:
— Ordem! Silênnncio! — E se ele tiver razão? E se a incompletude for precisamente o mais requintado? Vejam bem! — disse, apontando para uma das filas em que os concorrentes estavam sentados. — Ali mais atrás, há quem tenha pantufas em forma de patas peludas. Então, vamos excluir alguém por ser… natural?
Viraram-se todos na direção indicada. Félix, o gato que tinha as pantufas em forma de patas peludas, protestou:
- Não é justo! Isto é um concurso de pantufas. Ninguém nos disse como as
pantufas tinham de ser.
— Ora aí têm a vossa resposta — disse o Gato do Chapéu. — As regras não dizem que é proibido ser diferente. Talvez o incompleto tenha o seu próprio charme. Quem quiser, pode concorrer ‘descalço’. Quem sabe se não é aí que está o verdadeiro estilo. Que acham os meus amigos jurados?
Nessa altura, os membros do júri murmuravam entre si. Garfield sorriu, pouco preocupado. — Estava com fome e queria despachar-se. Pensava em lasanha. O Gato Risonho achava tudo uma maravilha.
Ainda se ouviam protestos.
De repente, Duquesa ergueu-se. Todos os gatos ficaram em sentido. Quem poderia resistir àqueles olhos azuis, brilhantes? Quanto às gatas, abriram muito os olhos, para verem melhor a sua coleira de ouro e diamantes.
— Mes Chéries, …bien, moi, je pense que há requinte no inesperado, no diferente. O incompleto, digamos, o inacabado, pode ser mais elegante do que o completo. Concordo com o meu colega, o Gato do Chapéu.
Antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, todos se levantaram e bateram palmas. Só se ouviam miiiados de aprovação.
— Só mais uma coisa — disse o Gato das Botas tentando chamar a atenção. — Os concorrentes também podem votar.
Todos os outros membros do júri concordaram. Os concorrentes ronronaram e aplaudiram, em sinal de aprovação.
O Gato das Botas encheu o peito de ar, orgulhoso da sua ideia.
A Kitty ainda não tinha falado. As gatinhas, em especial, ficaram atentas quando ela se levantou. Ouvia-se aqui e ali:
— Que estilo!
— Eu quero um lacinho como o dela!
— Vou pedir-lhe um autógrafo.
Até que se fez um silêncio total e todos os olhos se fixaram nela:
— Com Pantufas ou “Patas Pantufas”, todos merecem desfilar. Afinal, ser diferente é o que nos torna únicos! Não acham tão amoroso? Tão querido? Vamos a isso! Miauuuu!
Palmas e mais palmas. Kitty levantou a pata direita e declarou com um miau doce e vibrante:
— Que comece o desfile!
E assim foi.
O desfile decorreu no meio de muitos miados felizes, palmas animadas e montes de selfies. E, no final, quando o júri e os concorrentes votaram, ninguém se espantou com o resultado:
Pantufas, o gato sem pantufas, foi o vendedor!


