Aisha
é uma menina que vive
numa aldeia varrida por tempestades,
mesmo sem rio ou mar.
As cabras dóceis pastam no tempo.
A linguagem da tristeza instalou-se.
Os sorrisos perderam o seu poder redentor.
Só há pedras fustigadas pelo vento.
Numa boneca com um braço perdido,
inventam-se mundos, criam-se enredos
onde brincam meninas de cabelos doirados e um olhar feito de mar.
Num livro, em que só os bonecos disseram presente,
as letras perderam a voz. Fugiram para outras longitudes
onde as casas
têm brinquedos a rodos,
luzes nas árvores,
sobejos imensos de pão.
Os tapetes semeados na terra batida
enganam o frio escorrido de um céu
com milhões de pontinhos luminosos,
sorridentes nas noites sem luar.
Na escola, as janelas não têm vidros.
O vento entra para logo sair.
As portas não têm fechaduras.
Entra quem quer, mesmo que não venha por bem.
Os bancos são invenções em blocos de barro.
Mãos pequeninas e frágeis moldaram-nos com a massa
feita de terra escura e a pouca água que sobeja.
Escassa é a chuva,
raramente cai do céu.
Do breu da noite,
saem homens armados.
O barulho ensurdece.
Tubos metálicos expelem fogo,
queimam sonhos,
destroem a casa, derrubam a escola.
Os bancos frios, inventados em blocos de barro,
ficam espalhados em aflita anarquia.
As montanhas escuras perdem o poder de abrigo.
Aisha, com outras meninas,
com outros meninos,
foge dos homens armados,
num barco cansado e velho,
com lapsos no seu navegar,
vai à procura de um país que ainda tenha sonhos para perseguir.
Encontra-o,
longe,
onde o escuro é pincelado de mil cores,
as plantas libertam cheiros de tomilho e alecrim.
as montanhas são de sol,
a terra chega ao fim
e vai cair inteirinha nos braços tranquilos e doces do mar.
Nota: por desejo do autor, este conto não segue o Acordo Ortográfico de 1990


