Mote: Moral sonora
É passatempo nacional a queixa e a queixa mata.
Aos que levantem objeção, convido a um exercício simples: escolham um dia sem chuva e façam dos pés transporte pela rua que vos passa à porta. Apurem os ouvidos além do ecrã que vos enche a mão e deixem que os comentários alheios penetrem. Para uma maior exposição ao meu argumento, sugiro uma fila de um qualquer serviço público ou uma mesa livre num café de bairro. Para terminar, oiçam.
Uma interação vulgar poderá iniciar-se com um “como vai?” ou um outro “está tudo bem?” seguindo-se o objeto desta tese: uma conversa comum. Esta passa por uma lista de infortúnios e maleitas, próprias ou próximas, apesar de alheias, e é, por vezes, duplicada pelo interlocutor, também ele portador de muito a contar, no que à infelicidade diz respeito. Na natural senda de exploração do que está mal, envereda-se pelos que dele são causa e, em menos de sessenta segundos, a interação versa, apenas considerações sobre outras pessoas, já não relacionadas com as maleitas da listagem inicial, mas que carregam tatuados adjetivos tão pejorativos que é impossível tolerar tais existências. “Como é possível?”
Mas ouvir talvez não chegue. A quem tenha oportunidade de observar com atenção, sem que isto se torne socialmente incómodo, sugiro que registe o fenótipo dos indivíduos que ouviu conversar — fácies de sofrimento, raiva e indignação será expectável, mas acredito que vos poderá ser possível encontrar algum tremor de voz e extremidades, esbugalhar de olhos, agressividade nos gestos e até uma ligeira sudorese.
Todo este exercício comprovará a minha afirmação de abertura, assim como a originalidade necessária a muitos dos raciocínios e associações que suportam este tipo de dinâmicas.
Avanço para a segunda parte deste ensaio: a higiene que não temos.
A neurolinguística, a sua ramificação pela programação mental e as associações estabelecidas entre saúde e linguagem abrem porta à higiene verbal, termo que acabo de cunhar como ilustrativo. Acompanhem-me: como observado, a fina arte de queixa e maledicência preenche o nosso vocabulário de significados perniciosos, cuja tradução física entra na comum perceção de “mal-estar”. Na mesma linha de pensamento, um discurso limpo de considerações pejorativas tem o potencial de aliviar expressões carregadas, adoçar olhares aflitos, oferecer fluidez a gestos acompanhantes e extinguir o permanente aperto de infortúnio que se carrega com uma linguagem composta por maledicência.
Perante tal demonstração, considero pertinente a inclusão de uma higiene verbal no rol de hábitos saudáveis atualmente cultivados. A par de uma alimentação parca em glúten e proteínas animais, com a mesma importância da meditação e do exercício físico, acredito que um treino regular na castração de vocábulos negativos (primeiro ditos, depois pensados), tem um potencial inexplorado de fomentar a sensação de se ser saudável.
Entre os benefícios que me levam a publicitar o exercício de uma higiene verbal, estão a diminuição de uma sensação de stress basal, ausência de peso físico em tradução de angústia mental ou existencial, libertação de insónias por medos fundamentados em males testemunhados por discurso alheio, entre outros.
Assim, apelo à inclusão de hábitos de higiene sobre o que a nossa boca verbaliza. Sendo uma prática simples, acredito que qualquer leitor o consiga aplicar sem custo acrescido ou esforço marcado. No entanto, reconheço o potencial comercial de um novo hábito potenciador de saúde e bem-estar e não deixo de o oferecer a quem tenha interesse em explorar essa vertente. Afinal, o meu objetivo com este texto é abrir lugar à consciência de um problema de saúde pública, oferecendo solução para a sua contenção. Se o caminho para esta divulgação for o comercial, pois seja.
Por uma população mais saudável, carregando menos do mal que no mundo descrevem. Haja higiene verbal.


