Hoje disseste-me: quero-te, mas não te quero; melhor, não te quero querer.
Eu pensei (mas não cheguei a responder-te):
– Isso é um oxímoro imperfeito.
Citaste Marguerite Yourcenar: “O tempo, esse grande escultor!”, para me pedires que aguarde que floresçam as flores e os frutos que te proponho.
Eu, precavido, decidi: preciso de alimentar o tempo. Todos os dias.
Para que ele nos seja propício.
Dizes: preciso de ser translúcida. Iluminada por dentro, tal como (digo eu) brilha em mim a tua presença, cálida e sedutora luz à qual quero recolher-me eternamente.
Tranquilo, aguardarei que estejas pronta a acolher-me.
Quero-te inteira, como és: com tua liberdade, tua surpresa, teus desejos, teus medos, tuas dúvidas, tua oculta fúria de carne, mel e riso.
Não receies o caminho que se abre para nós, espanto que só tu e eu poderemos decifrar e construir.
O amor será a ficção que quisermos. E tornar-se-á realidade.
Concreta como um sonho indestrutível,
a alimentar diariamente, de mãos dadas, como se fôssemos
um só.
Até
sê-lo.
Peço-te:
enterra todos os passados; esquece
todos os limbos inconclusos.
Humilde, evitarei os buracos dos caminhos que nos desafiam,
assim como prometo proteger-te
das insidiosas armadilhas que, como pesadelos,
te assombram.
Oh, mulher que desde sempre aguardo, não hesitemos
em atravessar a imensa e doce clareira
que se abre à nossa frente.
O seu destino
é
a eternidade.
Respeito o teu silêncio. Na verdade,
ele mantém-me vivo e amoroso.
Quando me levanto
e me apronto
e caminho pelas inevitáveis e necessárias veredas
do tempo e da vida,
oiço os seus rumores, imperceptíveis, mas
claros e inteligíveis.
É assim que o meu coração escuta o teu silêncio:
ao mesmo tempo temeroso
e cheio de uma esperança vital.
Hoje não te mandei um beijo falsamente matutino
a desejar-te bom dia quando o sol já ia alto.
Hoje não recebi nenhuma mensagem tua para saber de mim,
embora não seja essa a pergunta que habitualmente me fazes;
aliás, não me fazes pergunta nenhuma,
apenas envias o emoji de uma flor muito vermelha,
que se abre quando a toco, como um aguardado e intenso pecado.
Hoje não te liguei pelo WhatsApp
apenas para ouvir a tua voz, mesmo sabendo
que não atenderias,
pois estavas ocupadíssima a tentar salvar alguma coisa,
visto que a nação,
sobranceiramente,
se recusa a ser salva.
Hoje não visitei o teu mural,
para ver se acaso me tinhas deixado uma mensagem cifrada,
que seguramente eu não compreenderia.
Hoje, confesso, fiz apenas uma coisa: pensei
em ti.
É pouco? É muito?
Ó mulher trazida pelo tempo para resgatar-me das suas falsas certezas,
só tu o podes dizer.
O verdadeiro amor
ou dura para sempre ou acaba assim: antes de começar.
O amor que te tenho, contudo,
mais do que verdadeiro,
é único.
Por isso, se dizes que não me amas, o que posso eu fazer?
Continuar
a amar-te.


