Nos séculos xvii e xviii a literatura em Portugal viu-se marcada por profundas mudanças estéticas e culturais que refletiram os movimentos dominantes da época: o Barroco e o Neoclassicismo.
As incertezas e instabilidades ao nível das questões geopolíticas e religiosas, que tinham por finalidade a união ibérica e subsequentemente a restauração da independência de Portugal, levaram a perturbações sociais que foram propícias ao surgimento do Barroco (ou Seiscentismo). Adotado da Itália e França, como uma resposta a todas essas inquietações e influenciado pelo espírito da Contrarreforma, este movimento generalizar-se-á no nosso país sobretudo como uma reação, destacando-se intensionalmente a tensão entre os valores religiosos e mundanos.
E porque de todas estas questões se faz a literatura de um país, este período será igualmente contemplado no índice da História da Literatura Portuguesa, representando muito do que se escreveu. Denominado como «imperfeito como as pedras preciosas, mas, ainda, assim, precioso» (Mattoso. 1994:423; V. 4), será associado a uma estética de contraste, exagero, dramatização e visará despertar emoções e reflexões, nomeadamente sobre a efemeridade da vida, onde o binómio Bem/Mal será de fácil entendimento, não havendo lugar para meios termos.
Entre os autores mais representativos do Barroco em Portugal, na prosa e na oratória, destaca-se o padre António Vieira (1608-1697), comumente denominado o «revolucionário português», sobretudo pelos seus sermões, onde combinará sofisticação retórica e profundidade espiritual. A sua formação jesuíta levá-lo-á a abordar, com prontidão, temas políticos e sociais, como a defesa dos direitos dos povos indígenas no Brasil, tecendo duras críticas às desigualdades sociais. Favorecendo-se de um jogo de palavras, metáforas exuberantes, hipérboles sublimadas, num estilo dinâmico, cativou a corte, o povo, os índios, chamando a si os que queriam ouvi-lo e os que acreditavam querer fazê-lo. Além dos seus sermões religiosos, deixou textos políticos, como «História do Futuro», onde articulou uma visão messiânica sobre Portugal, como o Quinto Império. Consideradas paradigmas da complexidade barroca, as suas obras configuram o que de mais valioso há na literatura desta época: uma ideologia centrada na atuação do Eu em relação ao Outro, divulgada nos púlpitos ou obras a partir de um jogo metafórico e paradoxal, capaz de concentrar num mesmo discurso cultismo e conceptismo de uma forma absolutamente singular, apenas aceitável num período com tais caraterísticas.
No âmbito da poesia, as duas antologias mais referenciadas são Fénix Renascida e Postilhão de Apolo, reunindo os textos de vários autores. E se Francisco Rodrigues Lobo (1580-1622) foi essencial na transição entre o Renascimento e o Barroco, por a sua obra mesclar temas bucólicos com a melancolia barroca, nomes como os de Francisco Manuel de Melo, Manuel Bernardes, Soror Violante do Céu e Jerónimo Baía, por exemplo, foram os que exploraram a profundidade dos sentimentos, numa visão introspetiva da condição humana, compreendendo-se a incessante luta entre o efémero e o eterno, o material e o espiritual.
Mesmo se o século xvii confirmou o tempo da mudança política, social e literária, o século xviii virá a ser o responsável pelas maiores alterações operadas na literatura portuguesa, com o advento do Iluminismo e do Neoclassicismo (Setembrismo). Estes movimentos, que certificaram um retorno aos ideais de simplicidade, ordem e equilíbrio da Antiguidade Clássica vão permitir que as demais formas de expressão reflitam uma valorização crescente da racionalidade e da clareza, capazes de exaltar a simplicidade, o bucolismo e a vida em harmonia com a natureza.
Um dos marcos do Neoclassicismo em Portugal foi a fundação da Arcádia Lusitana, em 1756, inspirada na Arcádia Italiana (1660), que reuniu escritores predispostos à depuração da exuberância emocional do Barroco, promovendo-se um traço objetivo de prioridades. A sua extinção em 1776 levou aparentemente a que se pensasse numa outra forma de expressão literária, mas a criação da Nova Arcádia, em 1790, cimentará os seus propósitos na implementação consciente de uma Inutilia Truncat, isto é, uma propaganda de higienização dos preceitos do Barroco (cortar o inútil), promovendo a sensação apaziguadora do recolhimento, com a Fugere Urbem, e a procura do Locus Amoenus, numa focalização interna para que equilíbrio do indivíduo buscasse a essência do Carpe Diem.
António Dinis da Cruz e Silva, Domingos dos Reis Quita, Filinto Elíseo, Francisco José Freire, Marquesa de Alorna, Nicolau Tolentino de Almeida serão os principais representantes do movimento arcádico. Muito menos comedido, Manuel Maria Barbosa du Bocage, que também pertenceu a este círculo literário, nem sempre respeitará as exigências arcádicas. Optou, o que lhe valerá duras críticas, pela apologia de versos carregados de emoção e subjetividade, não fosse ele, como se sabe, uma das figuras de transição para o Romantismo e um dos grandes vultos da nossa literatura. Contemporâneos afirmam que a Marquesa de Alorna o terá protegido inúmeras vezes, percebendo-lhe «o génio da exaltação e os tempos de mudança».
Ora, se na poesia o século das luzes em Portugal foi marcante, na prosa este anunciou a narrativa de cunho moralizante e didático, alinhada com os ideais iluministas. Um dos maiores exemplos é o testemunho de Francisco de Pina e Melo, cujas obras pedagógicas queriam instruir os leitores. Por sua vez, o teatro verá desabrochar um dos maiores dramaturgos do século – António José da Silva, conhecido como «O Judeu», que porá em cena Óperas Joco-sérias, resgatando a importância da sátira social para criticar a hipocrisia da época. Infelizmente, virá a ser condenado à morte pela Inquisição, vetando-se a sua obra.
Ainda que o impacto do Neoclassicismo em Portugal tenha sido menor comparativamente ao resto da Europa, devido à forte presença da Igreja e à influência do absolutismo monárquico, sabemos que este abriu caminho para que o Romantismo viesse a ser implementado no século xix como nome de reverência no panorama literário português.
Consultas bibliográficas:
Aguiar e Silva, V. (1992). Teoria da Literatura. Lisboa: Almedina.
Castro, A. P. (1973). Retórica e teorização literária em Portugal. Do Humanismo ao Neoclassicismo. Coimbra: C. Estudos Românicos.
Coelho, J. do P. (1977). A Originalidade da Literatura Portuguesa. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa,
Cunha, M. F. (2012). Padre António Vieira. Lisboa: Edições 70.
Lopes, O; Saraiva, A. J. História da Literatura Portuguesa. Porto, Porto Editora. 1999.
Marnoto, R. (2010). História Crítica da Literatura Portuguesa. Vol. 4, Neoclassicismo e Pré-Romantismo. Lisboa: Verbo.
Mattoso, J. (1994). História de Portugal. Vol. 4, p. 423, Lisboa: Círculo de Leitores.
Mendes, M. V. (1989). A oratória barroca de Vieira. Lisboa: Caminho
Pires, M. L. G. e J. A. Carvalho (2001). História Crítica da Literatura Portuguesa. Vol. 3. Maneirismo e Barroco. Lisboa: Verbo-
Pires, M. L. G. (Ed) (2003). Poetas do Período Barroco. Lisboa: Edições Duarte Reis.
Silva, V. M. A. e (1971). Maneirismo e Barroco na poesia lírica portuguesa. Coimbra: C. de Estudos Românicos.


