O nascer do mar
é um enigma.
Um acorde matricial, onda prateada,
que se abandona, para se tornar curso,
verso, poema, poeira, folhas, seres alados,
prodígios, partículas e partes inteiras
de tantas outras coisas.
Surge sem pressa,
detém-se nos seixos,
desenha margens nos céus, nas tempestades,
toca o fundo, o leito, sem o possuir,
e a terra cede ao seu desejo.
O sol evapora-lhe a eternidade,
e as montanhas dobram-se quando as toca.
Chega à foz,
hesita, no limiar,
recusa o oceano.
Negando o contorno redondo do mundo,
cai para norte, contra corrente,
no delta cálido do equador,
tornado vertigem, intangível suspensão.
Gota a gota, evapora-se no azul imenso,
em horas rendidas que terminam em silêncio.
Frágil, recua para sul.
Recomeça. Regenera o sopro inicial,
o requinte do primeiro átomo,
exala vida espontânea,
e determina o princípio do espanto.
O mar, por amor,
regressa à nascente.
Nesse precioso momento
metáfora de imperfeita criação,
em que renasce sem se completar,
milagre de paixão por cumprir, indefinido,
onde se converterá em rios de humanidade.


