Autor(a):

Mafalda Carmona
Resistentia Poetica

É por amor que o mar regressa à nascente

O nascer do mar

é um enigma.

Um acorde matricial, onda prateada,

que se abandona, para se tornar curso,

verso, poema, poeira, folhas, seres alados,

prodígios, partículas e partes inteiras

de tantas outras coisas.

 

Surge sem pressa,  

detém-se nos seixos,

desenha margens nos céus, nas tempestades,

toca o fundo, o leito, sem o possuir,

e a terra cede ao seu desejo.

O sol evapora-lhe a eternidade,

e as montanhas dobram-se quando as toca.

 

Chega à foz,

hesita, no limiar, 

recusa o oceano.

Negando o contorno redondo do mundo,

cai para norte, contra corrente,

no delta cálido do equador,

tornado vertigem, intangível suspensão.

 

Gota a gota, evapora-se no azul imenso,

em horas rendidas que terminam em silêncio.

Frágil, recua para sul.  

Recomeça. Regenera o sopro inicial,

o requinte do primeiro átomo,

exala vida espontânea,

e determina o princípio do espanto.

 

O mar, por amor,  

regressa à nascente.

Nesse precioso momento

metáfora de imperfeita criação,

em que renasce sem se completar,

milagre de paixão por cumprir, indefinido,

onde se converterá em rios de humanidade.

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Mafalda Carmona

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