Se na Idade Média, os trovadores e a poesia lírica constituíram umas das principais manifestações literárias, testemunhadas pelos três Cancioneiros, os finais do século XIV foram o momento em que, para além da poesia, as crónicas fizeram finca-pé, relatando o que se passava na nação. Ora, tal permite-nos afirmar que, desde a crise de 1383-1385, nasceu um outro momento da literatura, e são disso exemplo a heroica história de Nuno Álvares Pereira, na «Crónica do Condestável», e a reconhecida «Crónica de D João I», de Fernão Lopes, cujos relatos, marcados pelo sensorialismo e visualismo das situações descritas, destacam este último como um excelente artista da prosa literária portuguesa, onde o coloquialismo configura também o desejado projeto comum de autonomia política, proclamado pelo povo.
Muito importante será também o início do século XV, que se poderá demarcar como o momento da transição do medievalismo para o Renascimento, cujo apanágio se dará no século XVI. A evolução é lenta, como sabemos, mas basta que pensemos na expansão além-mar para que não nos restem dúvidas de que o início do século XV alavancará a produção literária da época. Tratar-se-á, pois, de consolidar a língua portuguesa e trazer à cena temas como a literatura de viagem e enaltecer o Homem.
Este será também o século da poesia palaciana e do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, referência incontestável de um trabalho laborioso, onde se preconiza já uma linguagem mais elaborada, considerada por muitos de refinada. São os passos certeiros para o advento do Renascimento português que será cultivado por grandes nomes das artes e das letras. São, pois, autores como Sá de Miranda e Luís de Camões que transformam a poesia palaciana, dotando-a da elegância e erudição clássica e renascentista. Falamos, por exemplo, do dolce stil nuovo (de Dante), introduzido em Portugal por Sá de Miranda e da clara influência Petrarquista.
Compreendemos, assim, que o século XV vê florescer, ainda que a passos muito lentos, temas representativos do Renascimento que ganharão voz no século XVI com as inovações literárias e temas representativos de uma sociedade em total expansão e orgulhosa de tal. Este período (da denominada Idade de Ouro da literatura em Portugal) será marcado por várias obras e autores, cuja intensa criatividade e produção literária terá um impacto profundo e duradouro na cultura portuguesa, pois é o período que vai celebrar os feitos heroicos da nação e explorar temas universais dos ideais clássicos greco-romanos, impulsionados pelas grandes navegações e descobertas portuguesas.
O século XVI em Portugal é, portanto, um período que bebeu importantes transformações culturais advindas do século XV e que se destacou pelo seu esplendor literário, cujo expoente máximo se configura em Os Lusíadas. São ainda nomes como os de Bernardim Ribeiro e Gil Vicente que engrandecem o panorama literário do século XVI e sobre os quais se tecem os maiores elogios.
Bernardim Ribeiro por ter celebrado o amor melancólico e a natureza como nenhum outro e por ter escrito Menina e Moça que é, sem qualquer dúvida, uma das pedras angulares da nossa História da Literatura pela profundidade emocional de um amor não correspondido, pela inovação estilística, trazendo para o panorama literário um estilo de prosa lírica que terá influenciado grandemente os escritores posteriores, e ficção narrativa. Quanto ao advento e qualidade literária do teatro português, não tenhamos dúvidas em relação a dois aspetos: o século XVI foi o tal (a sociedade portuguesa alterou-se definitivamente), pois a corte portuguesa tinha um dramaturgo que era Gil Vicente. Atento ao que se passava à sua volta, e certificando-se que o teatro deve ir muito para além das celebrações religiosas, este faz com que as suas peças teatrais retratem temas abrangentes, como terá explicado à rainha, e celebra o riso, sob o lema ridendo castigat mores, o que o faz apontar o dedo aos vícios e pecados de uma sociedade tomada pela luxúria e quebra de valores, para regozijo da própria corte.
A História da Literatura até ao século XVI é, assim, marcada pela transição das tradições orais e religiosas numa noção, ainda que vaga, da consolidação da nossa língua e da cultura escrita; reflete a expansão marítima e a formação da identidade nacional e consagra a língua portuguesa, elevando a literatura nacional ao nível dos grandes movimentos literários europeus.
Consultas bibliográficas:
Mattoso, José, A identidade nacional, Lisboa, Gradiva, 2003.
Pinto Pais, Amélia, História da literatura em Portugal – uma perspetiva didática,vol. 1, Porto, Areal Editores, 2004.
Stegagno Picchio, Luciana, «Gil Vicente», in Isabel Allegro de Magalhães (coord.), História e antologiada literatura portuguesa: século XVI, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.


