Autor(a):

Maria Gaio
Pés de Petiz

Na Contolândia

Nos confins do reino da Contolândia, existia uma aldeia conhecida pela sua Biblioteca. Ali encontravam-se contos de várias partes do mundo. Bem distintos, mas muito interessantes. O que tornava aquela casa dos livros diferente das outras era o facto de ter contos incompletos e esquecidos, todos reunidos na Sala dos Contos Inacabados, onde ficavam até alguém os procurar e lhes dar um final. 

Era nessa sala que Gustavo se perdia, a escrever, ler e trabalhar num desfecho para alguns. Era conhecido por criar situações emocionantes. Tinha uma imaginação fértil e um enorme talento, inventando mundos incríveis com as palavras.

Gustavo era um pequeno escritor e na procura da ideia perfeita para concluir a história que agora escrevia, deixou-a também inacabada.

Era sobre uma aldeia bem original. Os habitantes eram tão gulosos que resolveram construir as casas e jardins em chocolate.

A família Gula-Gula era uma das que se destacava por ser glutona. O seu maior sonho era ter uma casa doce. Trataram de organizar tudo e juntaram todas as pessoas na praça à volta duma mesa. Nela depositaram todos os ingredientes para a massa. Trabalharam noite e dia a fim de fazerem paredes, chão, telhado, janelas e jardins. Ah! também queriam uma piscina.

Com a azáfama na aldeia, Gustavo sentiu curiosidade em ver de perto os trabalhos que ali decorriam. Suspendeu a narrativa e escolheu viver a história  em vez de a descrever. Guardou-a na estante e prometeu terminá-la mais tarde.

Passaram-se anos e, entretanto, Gustavo ficou famoso com as suas histórias maravilhosas. Mas nunca se esqueceu do conto que ficara na Sala dos Contos Inacabados.

Ao regressar à Biblioteca, pegou no seu manuscrito e logo se integrou naquele mundo que criara. O Chefe da família Gula-Gula cumprimentou-o:

—Estava à tua espera, a nossa aventura ainda não terminou!.

 —Pois não, temos um lugar para construir.

Gustavo juntou-se-lhe, precisava de continuar a história e pensar num remate. Deliciou-se com o aroma que se sentia. Lembrou-lhe uma loja de doces. Viu os habitantes trabalharem juntos, em harmonia, movidos pelo entusiasmo e o desejo de criar algo mágico. Cada um trouxe ingredientes especiais: cacau fino, açúcar cristalizado, creme de leite dourado e até toques de baunilha, caramelo e canela.

Na praça principal, a mesa estava repleta de tigelas e utensílios reluzentes. Enquanto preparavam a massa de chocolate, ouviam-se risadas e músicas tradicionais da aldeia.

Uma atmosfera de som, cor, aromas e boa disposição tornavam-na um lugar mágico e saboroso. Cada um tinha uma tarefa: uns misturavam os ingredientes, outros moldavam paredes e telhados, e os mais criativos decoravam portas e janelas com confeitos coloridos. E Gustavo ia observando o que cada um fazia.

Com o decurso dos dias, a aldeia começou a ganhar vida e já todos queriam casas doces com cor, tons e sabores.  Eram verdadeiras obras de arte: telhados de chocolate branco; muros de chocolate negro e jardins onde flores de açúcar cresciam em harmonia com arbustos de algodão doce. Para iluminar as ruas, penduraram candelabros de caramelo e junto à porta de cada casa, uma árvore de espuma doce.

A piscina foi a última a ficar pronta. Feita com gelatina azul, branca e verde, tornava-se apetecível para a criançada.

Os mais gulosos foram postos à prova. Mas à medida que trabalhavam nas obras, não resistiam e acabavam por deliciar-se com os materiais. Gustavo não gostou do que viu.

—Parem imediatamente de comer o vosso trabalho, avisou-os. Assim nunca terminarão a aldeia!.

Um oh! soou tímido e em coro. Retiraram-se envergonhados por serem apanhados em flagrante.

Além destes comilões, outro desafio surgiu: o sol quente do verão começou a derreter alguns detalhes das construções. Foi então que Gustavo teve uma ideia brilhante.

—Crianças vou dar-vos uma tarefa ─ disse Gustavo.

—Uau! Rejubilaram e dispuseram-se a executá-la. Qual é?

—Vão criar toldos de biscoitos gigantes e fontes refrescantes de chocolate de leite para manter tudo intacto.

Ao lado dos habitantes da aldeia, Gustavo decidiu transformar a sua história num conto vivo. As crianças, com sua energia e criatividade, construíram uma enorme estátua de chocolate em sua homenagem. Essa escultura, tão detalhada e impressionante, atraiu visitantes de todos os cantos do mundo, inspirando-os a criar suas próprias obras de arte.

Mas o verdadeiro toque mágico aconteceu quando Gustavo resolveu não concluir o conto. Percebeu que a aldeia de chocolate era muito mais do que um mundo doce; era uma fonte infinita de união, imaginação e celebração coletiva. Assim, deixou o manuscrito na Sala dos Contos Inacabados, permitindo que cada novo visitante adicione algo à história, seja uma nova casa, um monumento ou mesmo uma reviravolta no conto.

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AUTOR(A)
Maria Gaio

Maria Gaio, é natural de Leiria de onde emigrou com os pais para França, onde cresceu. Licenciou-se em Filosofia, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, cidade onde reside atualmente.

Muito curiosa em relação às letras, foi escrevendo e guardando, tendo publicado o seu primeiro livro em 2019, intitulado: “Sob o ponto de Mira”, um livro de contos cujo tema é o soldado português em diversos contextos de guerra; O livro “O Capa, o V Dobrado e o I Grego”  e o “Planeta das Letras”, ambos publicados em 2022, dirigidos a um público infantojuvenil.

É membro dos Clube de leitura “Encontros Literários, o prazer da escrita”, bem como do Clube dos Writers; Publicou uma crónica no Público, intitulada “Podia ser pior”, participou com dois micro contos na  Fábrica do terror, intitulado, um “A Larva” e o outro “O dia dos mortos.

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