No final do século xviii e início do século xix, o Arcadismo, representado pela Nova Arcádia, ainda dominava o cenário literário português, querendo continuar a promover uma poesia pautada pela simplicidade, racionalidade e ideal bucólico. No entanto, as disputas internas e a crescente insatisfação perante as limitações estéticas, às quais tinham de se submeter os poetas, foram preparando o seu declínio. Paralelamente, a Europa passava por profundas transformações culturais e políticas, o que, como se sabe, também influenciou a literatura portuguesa, preparando o terreno para o Romantismo, que vigorou até meados do século xix.
Saindo dos escombros de uma escola subjugada ao rigor estético, os ideais assumem-se dando ênfase à liberdade criadora, permitindo-se os sentimentos e a emotividade exacerbados de quem pretende fazer valer a sua subjetividade estética.
De que falamos? De forma simples, pois é este o propósito desta rubrica, de cinco pontos fundamentais.
O primeiro, prendendo-se com as enormes alterações sociais e culturais, prevaleceu na alteração do modus operandi da sensibilidade estética. Isto é, destacou a perceção da importância da demanda do Eu, que, mais do nunca, procura na literatura o inverso da rigidez formal arcádica. O escritor e o leitor desejam a voluptuosidade da emoção plena, a identificação com o texto, logo uma expressão literária marcadamente pessoal e expressiva.
O segundo, que se pauta pelo júbilo do sentimentalismo, aponta como expoente máximo do fazer-se literatura a subjetividade do indivíduo e a sua introspeção emocional. Esta deificação da emotividade levará o Eu à submissão e ao sofrimento, muitas vezes, pela intensificação da dor causada por um amor impossível ou não correspondido, de acordo com a noção de tragicidade preconizada no Romantismo. A idealização da Mulher e do Amor irá também imiscuir-se nas noções de impossibilidade versus amparo associados à imagem da mulher-anjo, dotada de qualidades que a aproximam do celestial, como em Amor de Perdição, por exemplo.
O terceiro, intimamente associado, como não poderia deixar de ser, à influência do «Nobre Movimento da Liberdade Romântica» na Europa – anunciado por vários autores como Byron, Chateaubriand, Goethe, Stendhal, Victor Hugo, entre outros – que entrará em ombros no nosso país, pois era premente que todos comungassem dos ideais do Romantismo. Caso contrário, como se poderiam compreender as malogradas vivências amorosas do herói romântico, as vicissitudes da sua existência, enfim, a sua capacidade de total entrega ao sofrimento?
O quarto, o enaltecer do culto da natureza agreste, numa glorificação do passado, onde a experiência com a natureza deve ser assimilada de forma intensa, comungando o indivíduo da paisagem sombria, isolada, lúgubre mesmo (o locus horrendus), que despertará a espontaneidade criadora, capaz de lhe provocar e/ou atenuar sentimentos como a solidão, a paixão e a nostalgia. Atente-se que a necessidade de aproximação a tudo o que é místico e sobrenatural, nomeadamente ao nível da comunhão com a natureza, levou muitos escritores a recorrer ao imagético-simbólico da força do mito e da lenda. A descrição da serra e o enlevamento da personagem Jacinto ao observá-la, em A cidade e as serras, de Eça de Queiroz, são uma reminiscência dessa harmonia entre o Eu, que sente em demasia, e o espaço, que o absorve e acalenta, revigorando, mais do que a sua individualidade, a sua .
O quinto, intimamente associado ao impacto da Revolução Francesa, às invasões napoleônicas, nomeadamente em Portugal, à Revolução Liberal, às guerras civis entre os Absolutistas e os Miguelistas, à independência do Brasil, logo, ao nacionalismo e revivalismo, numa permanente exaltação do passado histórico português. O espírito nacionalista que se espraiou em muitos dos textos, como o poema Camões ou a peça Frei Luís de Sousa, ambos de Almeida Garrett, é um exemplo indubitável. Citaríamos ainda O sargento-mor de Vilar, de Arnaldo Gama, onde a resistência heroica do povo portuense, consubstanciada no episódio do desabamento da Ponte das Barcas, é a exaltação do patriotismo; O Monge de Cister, de Alexandre Herculano, que resgata os valores da Idade Média portuguesa, ou Viagens na Minha Terra, cujo hibridismo articula a narrativa, o ensaio e a crítica literária, querendo-se sublevar pela sua inovação literária.
Arrojado na sua forma de ser e de se exprimir, amado por uns, apontado por outros, o Romantismo terá tomado proporções tais que muitos foram os escritores que, como a personagens Tomás de Alencar, de Os Maias, incendiaram discussões mais emotivas do que literárias, defendendo um idealismo capaz de destruir motivações contrárias, em duelo de espada, se necessário fosse.
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