Se queres desenhar uma mulher
começa pelos pés
ignora – por ora – os olhos rotos
no avesso do sono a turbulência do colo
as águas turvas
sovando o rodízio dos cabelos.
Fecha um olho estica o polegar
— cabem-lhe perfeitamente oito corpos na cabeça:
é essa, aliás, a proporção áurea da penúria.
Depois é cavar a redor e içar talo
sorvendo o enxofre das caldeiras:
há-de medrar ao menos um pé
de uvas bravas ou a forca
de uma figueira
acanhando a carne dos figos
fixar à raiz uma promessa de água calda
e castigada
ruína a sal e fogo sulfurosa ruim
desaprendendo à força a cisma dos caminhos
pelos pés se começa uma mulher
só mais tarde se dobra o degrau dos joelhos
até à coxa
e se contorna o sexo recatado – paul
no ventre lêvedo
uma mulher começa sempre pelos pés
de barro : Lilith – mordendo o pó de onde nascera,
do sarro nas unhas de deus esporão da crença
içando a sementeira ainda quente
coalho para engolir a fome
é ali que respiramos
e só água fervente nos dana a sede
Se queres
desenhar uma mulher
vale mais começares por um pé
de cabra.