A Sebe do Desejo

À contraluz na noite turva

Que nos escapa

O desejo marca o compasso

Das horas frias

E lateja como uma ferida infetada.

O desejo é a própria ferida

Ruborizada e ardente.

Enraízo-me na tua pele e nos teus olhos

A minha vida é uma rasura sombria

Estranha a qualquer Deus

Mas posso assegurar-te que

A única aspiração que tenho

É que o teu voo cruze o meu céu azul

E nunca conheças o lugar da queda,

Ainda que isso seja inevitável.

Neste inverno profundo

Há uma vastidão de pequenas coisas

Que podem ser a última vibração

De um mundo raro.

E é a cerca arbórea do desejo

Que nos garante o oxigénio

Até a próxima Primavera

Onde seremos pássaros em carne viva

Que nas cicatrizes constroem ninhos.

Partilhe:
AUTOR(A)
Dulce Pereira

Dulce S. Pereira nasceu em Mulhouse em 1982. Vive no Porto. É enfermeira especialista em saúde mental. É mestre em Cuidados Paliativos e frequentou as licenciaturas em História de Arte e de Filosofia na Faculdade de Letras do Porto. Diz-se uma privilegiada por diariamente trabalhar com pessoas e as suas vulnerabilidades. Entusiasta das Artes e da Cultura. É apaixonada por livros e pela natureza. Existe porque escreve! Continua a acreditar que há esperança para a Humanidade.

MAIS ARTIGOS