Está no lado certo

Nunca me tinha passado pela cabeça. Até que, um dia, passou. E avancei, é claro. Depois já não poderia voltar atrás. É daquelas decisões que deveriam ser ponderadas, mas nem sempre isso acontece. Porém, no meu caso, até foi bem pensada. No entanto, a dúvida surge. Não que seja uma pessoa indecisa, todavia questiono-me se fiz bem… ou não. Afinal, há o lado certo e o lado errado.

Não fiquei com um sentimento de culpa, longe disso.

E, pensando bem, estás presente nesta história e noutras tantas e em variadas ocasiões e até lugares. Quem sou eu para contestar tudo isso? Já perdi a conta ao tempo que andas por aqui. És tão fútil como importante. Como é possível teres uma legião fiel de admiradores?

Percebo que te abracem e que te exaltem como simbolismo cultural, mas sabes que não agradas a todos.

Na verdade, nem assim, nem com esse manto de tradições, te aceitam. Muitos discordam e fazem questão de demonstrar esse particular repúdio. Pessoalmente, acho que exageram nessa negação. Arranjam argumentos para justificar crenças e medos e desse modo fomentam a divisão, o ostracismo e com frequência algo bem pior.

Por vezes, entra o tempero do mistério do crime, da perseguição, da criminalidade. Em certas partes da sociedade assim é. É o lado errado. Vive a discriminação popular vestida de honra e ideais sem sentido.

Afinal não erramos todos?

Ninguém é perfeito.

O ser humano é muito complexo e não percebe os caminhos de mágoa que deixa em cada caminhar. E depois é cheio de contrariedades. Tão depressa despreza como adora. Sim, tem esse lado, o de pura adoração e ostentação.

Afinal no que é que ficamos? É bom ou é mau? Não ligo a essa dualidade. Esqueço-a. Não quero mesmo saber.

A única coisa que sinto é que me ajudaste.

Apesar de bater aquela tristeza quando recordo o que me levou a tal, aqueles dias tão difíceis, aquela luta interna de desejar um rumo, de saber e não saber… O olhar para ti deu-me esperança, lembrou-me que tinha capacidades. Deu-me tanto conforto. É estúpido, percebo, mas assim foi.

É por isso que quero e vou repetir. Vou querer mais de ti. Vais fazer parte de mim de novo. Quando? Não sei.

Ah! E a beleza que podes ser? Sim, também podes ser absolutamente deslumbrante, possuir esse imenso requinte, espantar até os mais cépticos num olhar imóvel a mirar-nos à distância ou, até, de tão perto que ouvimos a respiração. Podes ser uma verdadeira obra de arte. Mãos de mestre numa agitação viva de criatividade. E posso sempre tocar-te, não estás protegida ou carregada de armadilhas ou quebras de vontades. Estás ali, bem visível para todos e, por vezes, escondido onde ninguém te quer mostrar. Mais dualidade?

És tanta coisa e és vazio. És tradição, mensagem, provocação, arte, história, ternura, força, estupidez, hierarquia, mancha, dedicação, tristeza, delicadeza, laços e um todo de nadas.

Olho e vejo-te na solidão de uma imensidão de mar quente, ilha colorida no ponto central de uma clareza que chama pelo domínio da tinta. Escrita? Talvez. Também. Mas nem sempre.

Já te chamaram de rebelde. É preciso rebeldia, sim, contudo a coragem e vontade de marcar é bem mais forte. E precisamos sempre de alguém para o fazer. Estamos dependentes de quem, com calma, o faça pausadamente. Sem pressas, erros ou deturpações que retirem tudo aquilo que desejamos.

Tens tanto de delicadeza como de provocador e sabes bem disso quando ficas ali ao sol, para que todos te vejam. E és irritantemente sexy em tantas situações! Respiras tentação e julgas que mudas algo?? Não mudas. Nada!

Todavia podes mostrar as saudades, podes deixar a lembrança de uma pessoa ausente com o enorme peso leve da gratidão. Fica marcada até partires, também.

Ficas tão perto quando te dou o meu longe. Podes ser raiz de mim para ti, de ti para mim, de nós para eles. Não me importo. Desde que estejas comigo.

Mas chega de conversa. Estou cansada e vou parar.

Afinal, quem és tu?

És a minha tatuagem.

Estás no lado certo.

No lado do coração.

(A autora não segue o acordo ortográfico)

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AUTOR(A)
Isa Silva
Isa Silva

Nasci no verão de 1966 e desde então a imaginação fez-me companhia no desenhar e no criar histórias. Frequentei a Escola de Artes de António Arroio e a ETIC. Na minha segunda vida (como gosto de salientar) redescobri o desenho, a pintura, a fotografia e a escrita. Conjugo estas paixões com trabalhos em design gráfico e formações de arte e manualidades.

Participei em várias exposições colectivas tanto a nível de desenho como de fotografia e pintura.

Tenho alguns livros publicados e em 2013 fui autora e figurinista teatral com uma peça para infância. Em 2014 estreei-me na arte urbana.

Faço parte dos Urban Sketchers Portugal desde 2010 e estou à frente da direcção da Associação USkP desde 2020.

www.isasilva.com

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